quarta-feira, 24 de março de 2010

Todos os anos faço anos...


Fazer anos é uma coisa especial. Não é por acaso. As pessoas passam a vida à procura de algo que se possa comemorar. Passagem de ano, Dia dos namorados, Páscoa, Aniversário, Dia do Pai, Dia da mãe, Dia do cão e do gato…até chegar ao Natal e tudo recomeça. São coisas que até poderiam fartar, mas não fartam porque ninguém se farta de ter razões para ter um dia melhor. Melhor à maneira de cada um. E melhor é muito relativo. Pode ser um melhor efusivo ou um melhor calmo. O meu último aniversário não foi passado em branco. Até me fizeram uma surpresa da qual não estava à espera…um bolo para mim, numa rua de Coimbra, aos primeiros minutos do dia 5 de Março de 2010. Fazer anos é uma coisa que dá protagonismo. Todo o ser quer um dia sentir aquela coisa de ser o centro das atenções. Todos gostam de ser lembrados por aquelas pessoas consideradas mais importantes. Não é que essas pessoas não se lembrem da aniversariante nos restantes 364 dias do ano. Mas nesse dia é diferente, a pessoa marca mais um ano na passagem pela vida e isso só acontece uma vez por ano. É difícil explicar, mas fácil de entender. Eu fiz anos, mas pela primeira vez não andei particularmente entusiasmada com isso. É só mais um ano, qualquer dia faço trinta e antes disso não sei que se vai passar. Os planos que costumava fazer entendo agora que não possam ser feitos. As pessoas que fazem parte da minha vida podem desaparecer sem o meu consentimento. As premissas da felicidade são subjectivas e as minhas são exigentes. Mas simples. Uma pessoa, uma mensagem, um gesto, uma palavra, uma presença…bastava isso para ser feliz naquele dia.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Suporte de Cristal? Eu?

Hoje fui a um funeral. Não ia a um funeral desde muito pequena. É algo deprimente, no verdadeiro sentido da palavra. Se alguém vai mais ou menos para lá e não tinha grande relação com o morto, pode sair de lá um pouco pior do que entrou. Quem vai para lá já um pouco desanimado, sai de lá em pedaços. Quando as igrejas se enchem num funeral, não creio que a grande maioria esteja a sofrer muito com a perda. Uns vão porque nosso senhor diz que devemos ser amigos uns dos outros e ser amigo parece incluir a alínea: vai ao funeral de alguém quando esse alguém morrer. Outros vão para ver quem está lá, quem chora mais e inferir daí se o morto era realmente uma pessoa querida pelos familiares ou amigos. Outros vão para a família ver, para serem vistos. Outros vão porque os laços de parentesco assim o exigem. Depois há o núcleo familiar da pessoa desaparecida. Aí chora-se sem grandes preocupações com o volume das lamentações. Aí o sofrimento está estampado no rosto. Os olhos denunciam muitas lágrimas, noites sem dormir, falta de apetite, o cabelo desalinhado revela a pouca preocupação com as coisas supérfluas da vida. E há pessoas como eu, que vão para servir de suporte a um cristal pronto a cair. Eu fui porque a pessoa que morreu era pai da minha melhor amiga. Detesto funerais. É preciso uma grande preparação psicológica que à partida não tenho. Mas o que fazer perante um “preciso de ti”desesperado? Lá fui eu. Fiquei no último banco da igreja, no canto mais escuro e escondido que havia. Sentei-me e fiquei a olhar para aquela disposição de figuras santas, para o “ouro” que aquilo parece ser e para aquilo que eu pensei ser o caixão. Há muito que não entrava numa igreja e parecia estar a ver tudo pela primeira vez. Inundaram-me dissertações sobre o porquê de cada coisa ser como era ou estar como estava. No intervalo de tudo isto, tentava mentalizar-me que não fazia sentido nenhum eu chorar ali. Estava para dar suporte ao cristal e não para cair com ele. E eu sabia que não ia ser assim. A alavanca que serve de entrave à minha barragem sobe automaticamente, quando alguém de quem gosto muito, sofreu já as inundações da Madeira. E foi chorar. Foi sentir a mão fria dela, o coração a bater descontrolado e desesperado num abraço bem sincero. No fim de tudo aquilo, a sensação foi a de que cumpri o meu papel de suporte. O cristal continua inteiro e veste a farda de uma hospedeira do bordo.

terça-feira, 2 de março de 2010

Retórica de embalar

Encontro-me numa sala de aula. O professor Tito Cardoso e Cunha deambula pelo estrado do quadro enquanto divaga sobre coisas que me parecem um monte de linhas emaranhadas que nunca irão tornar-se numa só linha recta. O tom calmo da sua voz agrava o cansaço de uma noite mal dormida. Sem grande emoção nas palavras monocórdicas que pronuncia, saem-lhe expressões que me "borbulham na cabeça". Pensar em coisas que borbulham na cabeça leva-me a uma imagem mental algo absurda, mas faz muito sentido em termos metafóricos. Como diz o senhor Tito "toda a linguagem é uma permanente metáfora". Enquanto escrevo borbulham-me várias coisas: tenho que ir ao banco que fica a uns bons quilómetros daqui, voltar para casa, sair de casa e voltar para uma aula de espanhol que me estende o horário laboral até às nove da noite. E ainda bem que há borbulhar na minha massa encefálica. Borbulham-me coisas, logo existo. A expressão facial de Tito Cardoso e Cunha mantém-se constante. Não esboça sorrisos, não chora, não se exalta, não se anima, não contrai nem descontrai. O olhar diz pouco do homem que fala sem parar, como se a vida fosse durar mais uns lentos mil anos. O seu eu fica perdido numa incógnita personagem que se apresenta fisicamente todas as terças-feiras numa qualquer sala da Universidade da Beira Interior. Hoje fala-se da Retórica grega e mais não sei. Fui contagiada pela melancolia da sua voz. Cada pausa no discurso parece uma pausa numa canção de embalar. O tempo parece ter congelado e eu fiquei no meio dele. Fala-se de Helena de Tróia e mais não sei. Passa alguém pela janela da sala de aula, mas eu não vi. Alguém viu. Eu não. Alguém me disse. Eu cabisbaixa a escrever, estou como disse, congelada no tempo. Ainda se fala de Helena de Tróia e mais não sei. Às 15:21 horas, a surpresa! Tito Cardoso e Cunha exalta-se e o volume da sua voz aumenta descontroladamente. É algo assustador. Inesperado e paralisante. E porquê? tudo porque alguém insistia em competir com a sua oratória fragilizada. Fragilizada, mas respeitável. Intervalo.