terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Comércio tradicional em tempos de mudança

Amanheceu na Covilhã. O ar fresco da manhã fazia prever o início de mais um dia pouco agitado no coração envelhecido da cidade. "Ainda me lembro de quando a rua se enchia de miúdos e de barulho" lamenta José, 72 anos, proprietário de uma mercearia.
O comércio tradicional tem vindo a atravessar momentos de tristeza, revolta e agonia. O orgulho num projecto de início de vida dá lugar a um tom de voz gasto, tristonho e vivido. "Em 1976 cheguei a ter cinco empregados, agora sou só eu e nem para mim há muito que fazer". A uns escassos metros, na retrosaria de Isabel Pereira, 40 anos, o cenário também não é animador "vou tendo alguns clientes e a maior parte deles já fazem parte da família. Vêm mais pela conversa e para passar um bocado". É nesta proximidade, que se estabelece com o atendimento personalizado, que o velho comércio se diferencia. A um "bom dia" personalizado junta-se a conversa de circunstância "as obras aqui ao lado não há maneira de acabarem, oh Zé!" e um esclarecimento honesto sobre os produtos.
O padrão decorativo é quase sempre o mesmo: uma vitrina com queijos, chouriços, fiambre e outros produtos que devam estar mais resguardados. Ao centro, o balcão com a caixa registadora (único sinal de modernização) e a velha balança guardada algures. Os produtos alinhados sem qualquer regra de posicionamento, as paredes pintadas sem grandes estratégias de marketing. Nas retrosarias, além de expostas as linhas, salta à vista o amontoado de caixas que o pouco espaço propicia.
Os anos passam e os tempos mudam "de ano para ano, sente-se a diminuição nas vendas" constata José Marques, 36 anos, funcionário do "Bazar", enquanto atende uma cliente apressada e bastante familiar.
O comércio tradicional tem dificuldades em modernizar-se e a maioria dos comerciantes está de acordo quanto à inutilidade de remodelações. O aparecimento e proliferação dos grandes centros comerciais tirou-lhes a esperança de renascer. Entre os comerciantes, o que antes era concorrência é agora compaixão.